quinta-feira, 19 de junho de 2008
Cariri recebe ex-cangaceiros
Cariri abre, novamente, uma página sobre a história do cangaço, com o retorno de ex-cangaceiros
Crato. O casal de ex-cangaceiros, Moreno e Durvina, chegou ontem à cidade de Brejo Santo, onde vai ficar dois dias com o objetivo de rever familiares, bem como receber homenagens de autoridades locais. De acordo com o vereador Miram Basílio, está marcada para hoje, às 9 horas, uma audiência pública na Câmara Municipal de Brejo Santo, com a presença dos dois ex-cangaceiros. O parlamentar justifica que eles fazem parte de um fenômeno social dos mais importantes para o Nordeste brasileiro, o cangaço. Por isso merecem o reconhecimento da cidade.
Moreno, 97 anos e Durvalina Gomes, a Durvina, 94, são os últimos remanescentes de um pequeno grupo de 16 cangaceiros e policiais, que ainda estão vivos. Estes sobreviventes foram descobertos pelo cineasta cearense, Wolnei Oliveira, que está concluindo um documentário com o depoimento dos últimos integrantes da história do cangaço.
A volta de Moreno a Brejo Santo é um reencontro com um passado que o cangaceiro tenta esquecer. Antônio Inácio da Silva, conhecido por Moreno, deixou um rastro de lutas sangrentas na terra onde passou a sua infância. Saiu de lá escorraçado, em 1939, um ano depois da morte de Lampião.
Hoje, 70 anos depois, volta como herói. Não fala sobre seus antigos desafetos. Recorda da primeira professora, Pedrosinha Viana, mas lamenta não ter apreendido a ler com ela. Recorda também de Antônio de Generosa, um antigo fogueteiro que fabricava fogos para animar as festas da cidade. Cita alguns nomes que fizeram parte de sua infância, entre os quais, o ex-prefeito Zeca Matias e alguns colegas de escola, amigos da infância.
Entre os familiares, sobrinhos e primos, Moreno procura relembrar os nomes dos sítios de antigamente, quando ele era o terror da região. Mas sua vida está mais ligada ao cangaço. O primeiro homicídio foi praticado quando ele tinha 16 anos. Daí pra frente era um tiroteio atrás do outro. “Tinha dia que eu participava de dois tiroteios”, relembra.
“Durante o tempo em que eu fui cangaceiro, eu nunca dormi em casa, foi só no mato, feito bicho bruto”. Ao recordar a vida ao lado de Lampião, Moreno diz que, na fuga do Ceará para Minas Gerais, margeando o Rio São Francisco, sua companheira, Durvina, foi picada por uma cobra. O contraveneno lhe foi enviado por um padre.
Em Minas Gerais, o cangaceiro mudou de nome. Passou a ser chamado de Antônio Souto. “Quando eu cheguei aqui, fui trabalhar de machado, cortar lenha para a Central (Estrada de Ferro Central do Brasil). Depois fui plantando roça, criando alguns porcos e fui trabalhando na lavoura. Fiz farinha durante muitos anos, vendendo na cidade”, diz ele, complementando que terminou sendo dono de cabaré, o que lhe valeu a separação temporária de Durvalina, o amor que foi nascido na Caatinga entre um tiroteio e outro.
PESQUISA
Antropóloga desconstrói mito Lampião
Crato. Virgulino Ferreira, o Lampião, não foi o “Robin Hood” do Nordeste, o herói que roubava dos ricos para dar aos pobres. O mito criado por cordelistas, alimentado por intelectuais e pela própria mídia, está sendo destruído pela escritora e antropóloga, Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros, autora do livro “A Derradeira Gesta: Lampião e Nazarenos guerreando no sertão”, lançado recentemente na Universidade Regional do Cariri.
A 2ª edição do livro é complementada com um capítulo em que a antropóloga faz uma analogia entre o cangaço e a violência dos dias atuais, definida por ela como uma versão mais forte do banditismo liderado por Lampião.
Luitgarde é autora também do livro “A Terra da Mãe de Deus”, que conta a história do Padre Cícero e as romarias de Juazeiro. A vinda da escritora ao Cariri coincide com o aniversário de 82 anos da visita de Lampião a Juazeiro do Norte, em março de 1926, a convite de Floro Bartolomeu para integrar o Batalhão Patriótico no combate à Coluna Prestes. Na oportunidade, Lampião foi entrevistado pelo médico do Crato, Octacílio Macedo.
O cangaceiro estava hospedado no sobrado de João Mendes de Oliveira e, durante a entrevista, foi várias vezes à janela, atirando moedas para o povo que se aglomerava na rua. De acordo com Luitgarde, essa atitude de Lampião pode ser considerada um “marketing”, com o objetivo de conquistar a simpatia dos romeiros seguidores do Padre Cícero.
O livro de Luitgarde, resultado de uma pesquisa de 30 anos, transforma o cangaceiro em um braço direito dos coronéis. Segundo ela, Lampião, que iniciou as lutas sem nenhum motivo social, esteve sempre ao lado dos poderosos. A pesquisadora também defende que o assassinato dele, em 1938, foi motivado por questões econômicas que envolviam a transferência das verbas de combate ao cangaço para a indústria açucareira do Nordeste.
A escritora desmistifica a idéia de que o bando formava um movimento social de origem pobre que se contrapôs ao poder dominante da época. “O cangaço nasceu de proprietários remediados, comerciantes e donos de tropas de cavalos e burros”, afirma.
Ela aponta que o próprio Virgulino Ferreira, antes de tornar-se Lampião, possuía terras e animais. “Ele era almocreve, uma espécie de mercador que percorria as estradas do Nordeste, tangendo tropas de burros, transportando mercadorias”, afirma.
“Ainda jovem, em 1916, começou a agir como cangaceiro, sendo cabra dos Porcino, uma família criminosa que agia em Alagoas”, conta, referindo-se ao grupo dos irmãos Pedro, Antônio e Manuel Porcino. Segundo a pesquisadora, Virgulino Ferreira, antes de se entregar definitivamente ao cangaço, em 1922, vivia uma dupla personalidade, um misto de comerciante e bandido. Em Pernambuco, ele era um proprietário, com sua tropa de burro, e fazia comércio com a vizinhança. Na Bahia e Sergipe, praticava crimes.
De acordo com Luitgarde, essa série de crimes em que Lampião se envolve, como invasões a cidades e troca de tiros, é o caminho que conduz à morte do pai de Lampião, José Ferreira dos Santos. “Com a morte do pai, Virgulino apelou para o código sertanejo de vingança para justificar suas ações”, diz Luitgarde, esclarecendo que foi apenas um desculpa para justificar os seus atos criminosos.
A partir de 1922, já com seu próprio bando, ele passa a se envolver com os coronéis. Ela diz que seus grandes protetores foram desembargadores, juízes, políticos e industriais.
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