quinta-feira, 19 de junho de 2008

Filho de Lampião


Filho de Lampião

Cada um dos debatedores falou durante dez minutos sobre “Lampião e o Mito”. A novidade foi a descoberta feita pelo historiador e pesquisador João de Souza Lima sobre a existência de um filho do cangaceiro, Ananias Gomes de Oliveira, conhecido por “Pretão”, residente em Santo Amaro, São Paulo.

De acordo com os historiadores, Lampião e Maria Bonita tiveram uma única filha, Expedita Ferreira, nascida em 1932, única sobrevivente das quatro gestações de Maria Bonita, que foi criada anonimamente por “coiteiros”. Com 76 anos, Expedita vive hoje em Aracaju (SE) e se negou a fazer exame de DNA para confirmar ou desmentir a existência do irmão.

Autor de quatro livros sobre o cangaço, João de Souza Lima, que reside em Paulo Afonso (BA), se tornou conhecido por ter localizado, em Minas Gerais, os cangaceiros Antônio Ingnácio da Silva, o “Moreno”, e Durvalinha Gomes de Sá, conhecida como “Durvinha”.

Nas pegadas do cangaço, o escritor ouviu muitas histórias. Uma delas relatava um segredo guardado a sete chaves. Ao perguntar a um primo de Maria Bonita sobre o casal de gêmeos irmãos da mulher de Lampião, o interlocutor disse: “Irmão, não. O Ananias, que tem o apelido de ´Pretão´, é filho de Maria Bonita e Lampião”. O primo da cangaceira complementou dizendo: “Você já percebeu que Ananias é diferente do seu irmão Arlindo. Um é preto e o outro é moreno. Você já viu gêmeos diferentes?”.

Com o levantamento da suspeita, o escritor aprofundou as investigações e confirmou com outros parentes de Maria Bonita que Ananias é filho do casal de cangaceiros. Foi a própria mãe de Maria Bonita, dona “Déa”, que criou os dois meninos como gêmeos, mas sabendo que Ananias era seu neto, filho do casal cangaceiro.

A revelação foi confirmada pelo historiador Antônio Amaury Correia, que descobriu um relato feito pelo major reformado do Exército, José Mutti, no livro “Reminiscências de um Ex-combatente de Volante”. O militar diz que a mãe da Maria Bonita lhe confidenciou que Ananias era filho de Lampião.

Para o escritor cratense Magérbio Lucena, a informação tem fundamento. “Do ponto de vista histórico, tem sentido. Maria Bonita e sua mãe tiveram filhos na mesma semana”, Lembra Magérbio, acrescentando que, para o casal de cangaceiros, era mais prático a criança ficar no anonimato.

Não é a primeira vez que aparecem supostos filhos de Lampião e Maria Bonita. Na década de 80 , surgiu em Juazeiro do Norte, João Ferreira de Silva, um ex-lutador de boxe conhecido por “João Peitudo”, que se dizia filho de Lampião e Maria Bonita. Ele morreu em 1994, de ataque cardíaco.

João submeteu-se a dois exames de DNA para tirar as dúvidas sobre sua filiação. Mas os resultados foram considerados inconclusivos. João Peitudo dizia ter nascido em 1938, no meio das caatingas e fora entregue por Maria Bonita a dona Aurora Maria da Conceição, com apenas 42 dias de nascido. E para não perder o filho de vista, Lampião teria furado suas duas orelhas com a ponta de punhal, segundo contava-se.

Este fato foi contestado por Vera, neta de Lampião e Maria Bonita. Ela adverte que quem pesquisa o tema sabe que os cangaceiros não marcavam os filhos com nenhum tipo de ferimento. Outro engano apontado por Vera refere-se à data de nascimento. João, segundo ela, nasceu em 1942, “quando meus avós já estavam mortos”. João morreu, tentando provar que era filho de Lampião.

CONVIDADO ILUSTRE

Militar participa como ouvinte

Serra Talhada. Outra novidade foi a presença do ex-integrante de volante, João Gomes de Lira, 94 anos, tenente reformado do Exército que entrou na força com 18 anos para perseguir Lampião. Mesmo tendo curso primário incompleto, escreveu o livro “Lampião - Memórias de um Soldado de Volante”, com dois volumes. A presença do militar foi uma surpresa para os presentes.

Lira chegou à Câmara Municipal de Serra Talhada, onde estava havendo o encontro, acompanhado de um dos seus filhos. Ele veio de Genezaré, a 42 quilômetros, para ouvir os debates sobre o cangaço. Apesar de assediado pelos escritores, assistiu tudo em silêncio. Lamentou não ter trazido o seu livro para o público.

O escritor pernambucano, Antônio Vilela de Souza, colocou lenha na fogueira em torno do suposto heroísmo do tenente João Bezerra da Silva, comandante da volante que matou Lampião. Vilela diz que, de acordo com as pesquisas, o herói daquele ataque ao grupo de Lampião foi o aspirante Francisco Ferreira de Melo, que servia no quartel da PM em Santana do Ipanema e foi indicado para integrar a volante do tenente Bezerra, no dia do cerco a Angico, em Sergipe.

As informações davam conta de que o tenente Bezerra não iria matar Lampião, porque ele e o sargento Aniceto eram casados com a filha de um coiteiro do cangaceiro. O escritor garante que foi o aspirante Ferreira quem tomou a iniciativa do combate ao bando.

O escritor tenta corrigir outra injustiça. Ele diz que pouca gente fala no soldado Adrião Pedro de Souza, que morreu no cerco de Angicos. “Os historiadores só falam nos cangaceiros mortos”, lamenta.

O Homem do Nordeste - Quatro Séculos de Silêncio


A estrutura social e política do complexo Nordeste brasileiro predominam até hoje com autoritarismo e como arbítrio social, que sob influência, desenvolve atividades sociais e políticas, em que se patenteiam interesses de grupos pela afirmação de poder. O homem nordestino continua o mesmo: honesto, perseverante e paciente. Mas ressurgirá ainda, para corrigir essa falha, preencher esse espaço que ficou aberto durante tanto tempo e eliminar um hiato nos registros dos fatos históricos.


O povoamento do Brasil começou em 1534, quando este foi dividido em capitanias e dadas a seus donatários os quais tinham poderes ilimitados sobre os colonos, acumulando o poder Executivo, Judiciário e Legislativo. Ano em que Martin Afonso fixa a criação de gado na zona açucareira de Pernambuco, capitania que mais prosperou. Todos os povoados se constituíram no litoral, pois os donatários não tinham interesse pelo interior. O fenômeno latifundiário no Brasil é a própria história do nordeste brasileiro, onde os recém-imigrados, pioneiros e desbravadores já senhores de sesmarias - sempre fiéis à Coroa espoliadora das riquezas da colônia - tornaram-se grandes proprietários.


Foi com o estabelecimento das capitanias que se desenvolveu progressivamente o tráfico de escravos para o trabalho nas culturas da cana-de-açúcar, do fumo e nas fazendas. Dentro do seu domínio tinha o fazendeiro todo o produto do seu trabalho, de caráter mercantil, para o abastecimento do mercado estrangeiro, pois havia ausência de um mercado interno, somente adquirido com a penetração do colonizador no interior. O fato é que estes colonos - donos de sesmarias - não emigraram para trabalhar na terra, mas para serem proprietários delas.


A colonização do Recôncavo baiano, onde foram introduzidos os primeiros engenhos e canaviais, era formado por fazendeiros ou simplesmente criador de gado, pois esta criação era uma dependência dos engenhos, para a substituição da força escravista, servindo também estes animais com grande utilidade na movimentação dos trapiches e moinhos, além de fornecer alimentação. Na Bahia, uma grande quantidade de gado chegou no início do século XVII, quando Fernão Dias penetrou nos sertões indo até o rio São Francisco, onde instalaram os primeiros currais. Já numa fase posterior, quando estes senhores penetraram mais para o interior, deixam de ser o “senhor de engenho”, dividindo essas atividades e assim foram conquistando e povoando os sertões, onde os animais eram criados soltos, misturados, pertencentes a diversos proprietários, apenas com a marca do dono. Somente as roças costumavam ser cercadas para evitar a entrada do gado.


O poderio latifundiário no sertão da Bahia era imenso, pertencendo quase tudo a duas principais famílias da mesma cidade, os Garcia D’Ávila e os Guedes de Brito. “A casa da Torre tem duzentas léguas pelo rio São Francisco acima, à mão direita, indo para o Sul e indo ao dito rio para o Norte chega a oitenta léguas. E os herdeiros do Mestre de Campo Antônio Guedes possuem desde o Morro do Chapéu, até a nascente do rio das Velhas, cento e sessenta léguas. E nestas terras, parte dos donos delas têm currais próprios e parte são dos que arrendaram sítios delas, pagando por cada sítio, que ordinariamente é de uma légua, cada ano, dez mil réis de forra”. O povoamento do sertão tomou mais impulso no segundo século da nossa história, terminando sua grande fase de conquista ao se iniciar o século XVIII, salvo algumas penetrações esparsas de entradistas, sem pretensões de permanência, continuando o sertão insulado, enquanto no litoral se erguiam vilas e povoações.


Faltavam às terras do interior os elementos que haviam proporcionado uma intensificação mais rápida do povoamento no litoral, em virtude das populações se apoiarem na lavoura canavieira, algodão, tabaco ou no extrativismo pau-brasil. Enquanto que no sertão existia apenas a atração duvidosa de possibilidades minerais, que animou alguns aventureiros a se internarem nas terras sertanejas. Mas estas expedições não tiveram grandes êxitos no que se refere ao povoamento. Foi Belchior Dias Moreira, neto do famoso “Caramuru”, o primeiro a desbravar o interior da Bahia e Sergipe, onde pretendia encontrar ricas jazidas de prata. Suas informações fantasiosas animaram outros expedicionários, apesar de terem o índio como obstáculo à penetração, e este impacto do homem colonizador causou prolongadas lutas, que dizimaram os primitivos ocupantes da região.


Os sertanejos são todos aqueles que habitavam no campo ou na roça. Seu senso de liderança está no calor de suas veias. É nato esse temperamento em todos os nordestinos que hoje se espalham em larga escala pelo país. O sertanejo surgiu quando os dramas sociais começaram a agravar-se, preferindo fugir das fazendas dos latifúndios, penetrando na caatinga, e descobrindo assim os sertões. Rústico, agreste e rude, o nordestino vivia sob um clima de terror. Não havia leis, direitos nem justiça. Levados pelas causas econômicas e sociais, sem terra, sem trabalho decente eram obrigados a vender sua força de trabalho aos exploradores da terra, os senhores coronéis, a quem sempre respeitavam, pelo seu poderio de força. Trabalhavam num regime de 12 horas por dia, vivendo em semi-servidão, mas não suportaram por muito tempo.


Levando em conta as conseqüências decorrentes de um clima hostil, a população sertaneja tem uma característica própria, mesmo nos anos mais duros da seca. O nordestino não abandona a terra. Este acontecimento faz parte da tradição e é um complemento de sua própria desgraça, no dizer de Euclides da Cunha “o sertanejo é, antes de tudo, um forte...”, apesar de possuir as características mais contraditórias de sua formação biológica. Na sua formação étnica predomina a figura do colonizador português com o elemento indígena, resultando desse cruzamento o mameluco. Mas nos sertões baianos, em certos trechos prevalece forte mestiçagem negróide. Os Sertões da Bahia, constituídos de matos ralos, cerrados e capoeiras, se estendem por tudo o Raso da Catarina, tabuleiro com pouco mais de 400 metros de altitude e quase 5 mil metros quadrados de caatinga baixa e espinhosa, com pequenos rios que no inverno deságuam nos afluentes do rio São Francisco ou na margem esquerda do Vasa-Barris. Essa região compreende mais de dez cidades, desde o sudoeste da cachoeira de Paulo Afonso, estendendo-se a Euclides da Cunha, até Jeremoabo, que serviu de refúgio para Lampião e seu bando.


Jagunço - Segundo Câmara Cascudo, é uma espécie do chuço, pauferrado, haste de madeira com ponta de ferro aguçada, arma de ataque e defesa, que, com o passar do tempo, chamou-se de jagunço a quem o manejava. Um jagunço sozinho é terrível, agrupado sob a proteção política é pior ainda. É chamado também de capanga ou guarda-costas. São corajosos e não deixarão de mostrar perversidade, são homens que trabalham e recebem um pagamento do patrão. O contratante tem como principal atividade proteger a propriedade e a família do fazendeiro, mas poderá desempenhar funções de vaquejar o gado, além de obedecer a qualquer mandado para práticas de violências e vinganças. As autoridades públicas da época, acobertavam seus atos, temendo seus chefes, os mandantes, os políticos, os proprietários de terras. Os jagunços portavam armas das mais modernas, quase sempre do Exército, mas preferiam a carabina Winchester, por ser mais leve e de manejo fácil. O jaguncismo no Brasil se alastrou por todo o interior do país, mas a sua passagem pelo rio São Francisco deixaria marcada sua figura lendária, onde existiam vários grupos, sendo muito comum um jagunço passar de um grupo para o outro, sempre à procura de grupos que tinham os melhores atiradores. O jagunço é desconfiado, bandoleiro por definição das circunstâncias e muito diferente dos cangaceiros.


Cangaceiro - Bandido nômade, salteador que, em grupo ou em bando (cangaceirada), pegou em armas e fez nos sertões, com suas mãos, a própria justiça. Independente, não trabalha para ninguém, viveu a percorrer os lugares roubando e matando os ricos para amparar os pobres camponeses; “é um revoltado e parte com um fim: vingar. E para vingar enfrenta a polícia contra a qual luta e mata para não morrer”.
A grande seca que assolou o Nordeste, entre 1877/1879 é motivo para aparecer no cenário brasileiro um dos primeiros grupos de cangaceiros, comandado por Jesuíno Brilhante, que assaltava os comboios destinados aos fazendeiros, ou mesmo do Governo Imperial para distribuir com os flagelados. Jesuíno ganhou fama e proteção do povo, que muito rezava por ele e ficou mais conhecido na época através dos improvisos feitos pelos violeiros mais afamados do Nordeste, Inácio da Caatingueira e Romano dos Teixeiras. O cangaceiro do Nordeste foi o resultado da ofensiva de uma época onde os coronéis-casca-grossa, com o absoluto apoio dos governantes, ditavam suas próprias leis em seus domínios. Em 1896 surgia no Nordeste outro famoso bando, chefiado por Antônio Silvino, que percorreu os sertões durante dezoito anos, mas coube a Virgulino Ferreira da Silva, “Lampião”, a chefia do mais temeroso grupo. O Rei do Cangaço ou Governador do Sertão percorreu, em vinte anos, cinco Estado do Brasil. Outros afamados: Sebastião e Sinhô. Em 1933 as constantes perseguições policiais ao bando de Lampião, por ordem do capitão, o grupo foi dividido, parte com ele e outra com Corisco “O Diabo Louro” (Cristino Gomes da Silva), talvez o maior guerrilheiro do sertão. O cangaço foi escolhido como um gênero de vida, o único meio de se ganhar a vida e de se fazer justiça aos coronéis latifundiários.


Pistoleiro - É um farejador de pistas. Assemelha-se um pouco com o jagunço, que impreterivelmente, não deve pertencer à região para onde foi contratado pelo fazendeiro, a dar fim em algum inimigo seu. Normalmente o pistoleiro recebe metade do valor combinado, recebendo o restante quando terminado o serviço. Ele é um homem frio, corajoso e de pouca fala, que ganha a vida matando pessoas. Dizem que ao aceitar uma proposta já sente raiva do sujeito, reza e faz missa de corpo presente encomendando o defunto. Bem trajado parecendo gente da capital, pode-o andar pelas redondezas da vítima sem levantar suspeito e muitas vezes chega a convidá-la para beber ou comer qualquer coisa e, à traição, o mata. O pistoleiro é contratado para que o caso fique em completo sigilo. Feito o serviço dificilmente aceitará nova empreitada por aquelas bandas.


Vaqueiro - É todo aquele que guarda, conduz gado ou vacum. É o mesmo boiadeiro, o tocador de boiada, negociante de gado. O vaqueiro que surgiu com o ciclo do gado do Nordeste e Sul do Brasil, diferenciam somente na indumentária mas igualam na coragem, na audácia e no desprendimento. É um homem que trabalha para o fazendeiro possuidor de grandes oásis, quase sempre habita no litoral, e a este é incumbida uma árdua tarefa que consiste em cuidar do gado, desde o nascer até a condução do mesmo a outras fazendas ou à cidade, onde será transportado para a capital. O ofício de vaquejar vem de berço. Desde menino, o traje do vaqueiro nordestino consiste em gibão, colete, perneira, alpargatas ou botas e chapéu, tudo isso feito em couro curtido. Aparentemente parece absurdo o uso de tal indumentária sob uma temperatura de estarrecer. Mas esse traje é de vital importância, ele protege o vaqueiro contra os espinhos dos cactos, das geremas e dos galhos secos.


O fato é que não existiam pastos nem limites cercados nas fazendas. O gado se emprenhava nas caatingas à procura de água e ração e se afastava às vezes légua da fazenda e lá ficava semanas. Tal proteção também se estende aos animais de montaria, como mantas para proteger as ancas, cabeçal dos olhos e o peitoral, tudo confeccionado em couro. Apesar de toda miséria que o circunda pela vida, o vaqueiro tem horas felizes. Quando da vaquejada, por exemplo - a festa mais tradicional do ciclo do gado no Nordeste. São grupos de vaqueiros que, reunidos, demonstram agilidade e habilidade: o gado corre em disparada mas é perseguido por dois vaqueiros que ao alcançá-lo, o cavaleiro da direita envolve a cauda do animal na mão e puxa com bastante firmeza, desequilibrando-o para, em seguida, se estatelar no chão com as patas para o ar. As vaquejadas realizadas no tempo das apartações e das marcações do gado, onde os vaqueiros tangem e pacificam o gado quando há “estouro”, ao som dos aboios e dos berrantes, feitos com o próprio chifre do animal. “O aboio não só é bonito, de uma beleza bárbara primitiva, como é, do mesmo passo, envolvente e contagiante... Quem numa fazenda de gado dos sertões nordestinos ouve, num fim de tarde, subir aos ares o dolente canto de um aboio, tem também vontade de aboiar”. Mas hoje ela tornou-se grande lazer da burguesia rural, onde raramente os participantes são vaqueiros e sim filhos de fazendeiros, homens letrados do litoral, e pouca coisa foram preservada das vaquejadas tradicionais.


Tropeiro - Já extinto por completo das veredas dos sertões, devido ao avanço tecnológico dos meios de comunicação, é o sertanejo que conduz tropa de gado, mula e éguas, vendendo animais, levando e trazendo mercadorias, comboio de muitos animais de cargas. Os tropeiros foram os responsáveis pelo abastecimento de mantimentos às cidades e tiveram sua marca no desenvolvimento do Nordeste. Tropel é o fragor de tropas, barulho, rumor que fazem os animais de uma tropa, batendo os cascos no chão; confusão, desordem de animais em disparada. O tropeiro, homem rude e ignorante, na sua maioria, palmilhador constante dos caminhos abertos na solidão dos sertões, guiando apenas pelo próprio instinto. Era sempre empregado de comerciantes ou patrão, o dono da tropa, o empresário de transporte, homem constantemente requisitado, ansiosamente esperado, carinhosamente recebido.
Chegou até a se constituir num tipo humano, criado pelo sistema de transporte que explorava. Além de sua função característica de transportador, o tropeiro tornou-se indispensável em outras atividades. Era o emissário oficial, correio e o transmissor de notícias. Era o intermediário de negócios ou ainda da união entre certos urbanos afastados. Levava meses atravessando os sertões, para chegar a seu destino. A indumentária era uma conseqüência das exigências naturais do seu trabalho, e a influência espanhola está caracterizada no uso do grande chapéu de feltro e da manta sobre os ombros.


Coronel - Era um fazendeiro, não sertanejo, mas sim dono dele. A história do coronelismo é a própria história política do Brasil, na época em que surgiu no ano de 1831, quando foi criada a Guarda Nacional - “ordenanças” - para manter segurança sob seu domínio nas regiões onde habitavam. Essas ordenanças que eram uma reserva militar, muitas vezes foram convocadas para defender a soberania nacional, como na Guerra do Paraguai. Fardados e com patentes, com o título de coronel, tornaram os fazendeiros poderosos, ricos comerciantes e industriais. Seu poder era tanto que nomeava ou demitia funcionários públicos, delegados e juizes. Tais arbitrariedades eram levadas em consideração de pessoas serem seus amigos ou inimigos.
Os coronéis dominaram por mais de um século as cidades do interior, usando a bondade com tática eficaz. Eram grandes latifúndios políticos, que influenciavam na política do país, o seu domínio era intocável. O Coronelismo foi um tipo de poder político que existiu desde o Império, teve seu apogeu na República Velha, cujo poder influenciava as mais altas decisões da administração federal, tais como Pinheiro Machado e Delmiro Gouveia, ambos de renome nacional. O coronelismo já viveu seus grandes dias, foi sepultado pelo desenvolvimento tecnológico do País, mas os coronéis ainda sobrevivem em grande escala pelo Norte e Nordeste do Brasil. Nessa época, houve numerosos coronéis poderosos nos sertões da Bahia, como Horácio de Matos, Franklin Albuquerque, Militão, Marcionilio Donca Machado e muitos outros que ainda dominaram até as duas primeiras décadas do século XX.


* Jornalista, pesquisador e professor universitário. Publicou: Gregório de Mattos, o boca de todos os santos, Crônicas & poemas recolhidos de Sosigenis Costa; Flor em Rochedo Rubro: o poeta Enoch Santiago Filho, Godofredo Filho & o Modernismo na Bahia, dentre outros.

Rei do Cangaço

Após a divulgação da existência de um ex-cangaceiro no Acre, surgiram novos relatos de pessoas que integraram o bando de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Depois da família de Inácio Mariano, parentes de José Raimundo da Silva, já falecido, afirmaram que ele serviu de guia para os cangaceiros no Vale do Jaguaribe, mais precisamente entre as cidades de Limoeiro do Norte, Russas, Pereiro e Alto Santo, no Ceará.

José da Silva, funcionário do Ministério Público Federal, disse que seu avô José Raimundo da Silva deixou o Exército e, após mudar-se para o Jaguaribe tocar um sítio da família, encontrou-se com Lampião e acabou sendo convocado para trabalhar como guia dos cangaceiros naquela região.

- Tu sabe atirar? - teria perguntado Lampião a José Raimundo.

- Capitão, eu fui militar - respondeu Raimundo.

Sabino Gomes, o segundo mais importante homem do cangaço, deu-lhe um revólver 44 e ouviu de Lampião:

- Tá vendo, Sabino? Gente que nós não gostamos acaba ajudando a gente.

Assim, nesse encontro rápido, Raimundo surgiu para o cangaço. Nunca participou de nenhum embate, mas serviu ao grupo de Lampião guiando-o pelas regiões mais inóspitas do Jaguaribe toda vez que o bando passava por ali. O lugar hoje é conhecido como Lajedo de Lampião.

Do Paraná ao Sertão

José da Silva saiu do Paraná para conhecer o avô no sertão cearense. Dele, ouviu relatos de como era dura a vida dos cangaceiros, todos movidos pela mesma revolta de Lampião, cujo pai fora morto em conflito agrário no Pernambuco. A partir desse episódio, Lampião montou seu bando e passou a matar pessoas em busca de Justiça, sempre responsabilizando o Estado pela morte do pai. Com isso, atraiu a ira do Exército - os “macacos”, como ele chamava soldados e oficiais.

Raimundo conheceu Cochete e Jararaca, os mais cruéis dos cangaceiros. Ferido e ao lado da sepultura que se fazia aberta para receber seu cadáver, Cochete ainda respondeu às perguntas dos homens que cavavam o buraco. Raimundo a tudo ouvia:

- Do que mais se arrepende? - perguntou-lhe um homem.

- Me arrependo de um dia ter invadido uma vila, jogado as crianças para cima e espetado no punhal - respondeu Cochete.

Depois de conhecer o avô, José da Silva passou a interessar-se pela história do cangaço. Leu muitas histórias e visitou museus. Ao ler a edição de terça-feira passada do Página 20, decidiu compartilhar publicamente os relatos repassados por Raimundo durante a visita ao Ceará. “Meu avô não conheceu Maria Bonita, apenas ouviu muito falar dela”, disse José da Silva.
Virgulino Ferreira, o Lampião, visitou Aquidabã por duas vezes. A primeira fora feita amistosamente, apenas para o reconhecimento do lugar. A segunda, entretanto, caracterizou-se pelos atos de atrocidades, implantando o terror e saques. Isso aconteceu em 1936.

Dormiu, como se narrava nas rodas populares, no povoado Cruz Grande, hospedando-se na casa de um improvisado coiteiro. Pela manhã seguinte, a notícia da presença do Rei do Cangaço correu e seu bando de 50 bandidos chegou à sede municipal.

Lampião e seus capangas, então, passaram a indagar pelos homens ricos da cidade. Primeiro perguntou onde morava Lóia, que era o delegado. Este já havia fugido. Depois perguntou por Aldom Figueiredo que, como tantos outros, já havia deixado a pacata cidade. Reporta-se que, quando da sua chegada, pela Baixinha, o lugar já estava quase deserto, pois a população, com a notícia da chegada de Lampião, fugiu para o interior, escondendo-se nas matas e grutas.

O cortejo de Lampião prosseguiu em direção ao centro da cidade onde estavam as lojas e casas comerciais, residências dos mais afortunados e armazéns de compra de algodão. Lampião, para conquistar a meninada, jogava moedas, que eram disputadas pelos poucos que, não entendendo bem o que significava a visita, ficaram na cidade, não acompanhando seus pais. Entre a meninada estavam os irmãos Antônio e José do Papel.

No centro comercial, em frente ao Armazém de Maximino Calango, avô de José de Matos, o grupo matou a punhaladas um doido, cujo nome nunca foi revelado. Abriram o corpo do inditoso maluco, retiraram as vísceras e as banhas, e com estas, limparam o sangue dos punhais. As atrocidades continuaram pelas ruas da então pequenina cidade, cometidas contra poucos.

Conta-se que Zé Baiano marcou algumas donzelas a ferro quente com as letras J.B. nas nádegas. Outras foram estupradas, inclusive mulheres idosas. Lampião, então, passou a ameaçar um dos filhos recém-nascidos de João de Clarinha e Franquinha, que não deixaram o lugar porque a mulher havia dado à luz na madrugada do dia anterior. O casal passou por momentos angustiantes.

Antônio e José do Papel, que apanhavam as moedas atiradas para as crianças, tiveram as orelhas cortadas, um ato de atrocidade que ficou no registro da visita de Lampião. Pois José do Papel, durante toda sua existência - pessoa muito conhecida e conceituada - era o homem marcado pelo corte de uma das suas orelhas.

Lampião e seu bando, afinal, depois de tirar a paz da cidade, retirou-se para o interior, tomando a estrada que segue para os Andrinos. A rapaziada, cheia de idealismo, então, armou-se e seguiu à procura do bando, que já se encontrava longe. Mas o ardor do orgulho ferido fez com que os rapazes apressassem o passo, conseguindo aproximar-se do bando de Lampião, onde travaram uma pequena luta. Gustavo Guimarães, usando de um rifle, atirou e matou um dos cangaceiros retardatários e ali, naquele gesto, estava a vingança de Aquidabã para com o famigerado bando de Lampião.

Por muito tempo repetiu-se a inditosa visita de Lampião na vida da pacata cidade. Firmino Figueiredo, Mamede Alves do Carmo e Rosalvo Figueiredo contaram e Pires Wine, Acelino Guimarães e José Anderson do Nascimento escreveram este episódio.
Lampião, durante sua visita a Juazeiro do Norte, para onde se dirigira a convite do padre Cícero Romão, para integrar o Batalhão Patriótico no combate à coluna Prestes, foi entrevistado pelo médico de Crato, Dr. Octacílio Macêdo. Naquela ocasião, como dissemos anteriormente, Lampião estava hospedado no sobrado de João Mendes de Oliveira e, durante a entrevista, foi várias vezes à janela, atirando moedas para o povo que se aglomerava na rua.

Essa entrevista é considerada pelos historiadores como peça fundamental no estudo e no conhecimento do fenômeno do cangaço. Vale a pena transcrever seus trechos mais importantes, atualizando a linguagem e traduzindo os numerosos termos regionais para a linguagem de hoje.

A entrevista teve dois momentos. O primeiro foi travado o seguinte diálogo:

- Que idade tem?
- Vinte e sete anos.

- Há quanto tempo está nesta vida?
- Há nove anos, desde 1917, quando me ajuntei ao grupo do Senhor Pereira.

- Não pretende abandonar a profissão?
A esta pergunta Lampião respondeu com outra:
- Se o senhor estiver em um negócio, e for se dando bem com ele, pensar� porventura em abandoná-lo? Pois é exatamente o meu caso. Porque vou me dando bem com este "negócio", ainda não pensei em abandoná-lo.

- Em todo o caso, espera passar a vida toda neste "negócio"?
- Não sei... talvez... preciso porém "trabalhar" ainda uns três anos. Tenho alguns "amigos" que quero visitá-los, o que ainda não fiz, esperando uma oportunidade.

- E depois, que profissão adotar�?
- Talvez a de negociante.

- Não se comove a extorquir dinheiro e a "variar" propriedades alheias?
- Oh! mas eu nunca fiz isto. Quando preciso de algum dinheiro, mando pedir "amigavelmente" a alguns camaradas.

Nesta altura chegou o 1° tenente do Batalhão Patriótico de Juazeiro, e chamou Lampião para um particular. De volta avisou-nos o facínora:

- Só continuo a fazer este "depoimento" com ordem do meu superior. (Sic!)

- E quem é seu superior?
- ! !
- Está direito...

Quando voltamos, algumas horas depois, à presença de Lampião, já este se encontrava instalado em casa do historiador brasileiro João Mendes de Oliveira.

Rompida, novamente, a custo, a enorme massa popular que estacionava defronte � casa, penetramos por um portão de ferro, onde veio Lampião ao nosso encontro, dizendo:

- Vamos para o sótão, onde conversaremos melhor.

Subimos uma escadaria de pedra até o sótão. Aí notamos, seguramente, uns quarenta homens de Lampião, uns descansando em redes, outros conversando em grupos; todos, porém, aptos à luta imediata: rifle, cartucheiras, punhais e balas...

- Desejamos um autógrafo seu, Lampião.
- Pois não.

Sentado próximo de uma mesa, o bandido pegou da pena e estacou, embaraçado.

- Que qui escrevo?
- Eu vou ditar.

E Lampião escreveu com mãos firmes, caligrafia regular.

"Juazeiro, 6 de março de 1926
Para... e o Coronel...
Lembrança de EU.
Virgulino Ferreira da Silva.
Vulgo Lampião".

Os outros facínoras observavam-nos, com um misto de simpatia e desconfiança. Ao lado, como um cão de fila, velava o homem de maior confiança de Lampião, Sabino Gomes, seu lugar-tenente, mal-encarado.

-é verdade, rapazes! Vocês vão ter os nomes publicados nos jornais em letras redondas...

A esta afirmativa, uns gozaram o efeito dela, porém parece que não gostaram da coisa.

- Agora, Lampião, pedimos para escrever os nomes dos rapazes de sua maior confiança.
- Pois não. E para não melindrar os demais companheiros, todos me merecem igual confiança, entretanto poderia citar o nome dos companheiros que estão há mais tempo comigo.

E escreveu.

1 - Luiz Pedro
2 - Jurity
3 - Xumbinho
4 - Nuvueiro
5 - Vicente
6 - Jurema

E o estado maior:
1 - Eu, Virgulino Ferreira
2 - Antônio Ferreira
3 - Sabino Gomes.

Passada a lista para nossas mãos fizemos a "chamada" dos cabecilhas fulano, cicrano, etc.

Todos iam explicando a sua origem e os seus feitos. Quando chegou a vez de "Xumbinho", apresentou-se-nos um rapazola, quase preto, sorridente, de 18 anos de idade.

- é verdade, "Xumbinho"! Você, rapaz tão moço, foi incluído por Lampião na lista dos seus melhores homens... Queremos que você nos ofereça uma lembrança...

"Xumbinho" gozou o elogio. Todo humilde, tirou da cartucheira uma bala e nos ofereceu como lembrança...

- No caso de insucesso com a polícia, quem o substituir� como chefe do bando?
- Meu irmão Antônio Ferreira ou Sabino Gomes...

- Os jornais disseram, ultimamente, que o tenente Optato, da polícia pernambucana, tinha entrado em luta com o grupo, correndo a notícia oficial da morte de Lampião.
- é ,o tenente é um "corredor", ele nunca fez a diligência de se encontrar "com nós"; nós é que lhe matemos alguns soldados mais afoitos.

- E o cel. João Nunes, comandante geral da polícia de Pernambuco, que também já esteve no seu encalço?
- Ah, este é um "velho frouxo", pior do que os outros...

Neste momento chegou ao sótão uma "romeira" velha, conduzindo um presente para Lampião. Era um pequeno "registro" e um crucifixo de latão ordinário. "Velinha", apresentando as imagens: "Stá aqui, seu coroné Lampião, que eu truve para vomecê".

- Este santo livra a gente de balas? Só me serve si for santo milagroso.

Depois, respeitosamente, beijou o crucifixo e guardou-o no bolso. Em seguida tirou da carteira um nota de 10$000 e gorgetou a romeira.

- Que importância já distribuiu com o povo do Juazeiro?
- Mais de um conto de réis.

Lampião começou por identificar-se:

- Chamo-me Virgulino Ferreira da Silva e pertenço à humilde família Ferreira do Riacho de São Domingos, município de Vila Bela. Meu pai, por ser constantemente perseguido pela família Nogueira e em especial por Zé Saturnino, nossos vizinhos, resolveu retirar-se para o município de Àguas Brancas, no estado de Alagoas. Nem por isso cessou a perseguição.

- Em Águas Brancas, foi meu pai, José Ferreira, barbaramente assassinado pelos Nogueira e Saturnino, no ano de 1917.

- Não confiando na ação da justiça pública, por que os assassinos contavam com a escandalosa proteção dos grandes, resolvi fazer justiça por minha conta própria, isto é, vingar a morte do meu progenitor. Não perdi tempo e resolutamente arrumei-me e enfrentei a luta. Não escolhi gente das famílias inimigas para matar, e efetivamente consegui dizimá-las consideravelmente.

Sobre os grupos a que pertenceu:
- Já pertenci ao grupo de Sinhô Pereira, a quem acompanhei durante dois anos. Muito me afeiçoei a este meu chefe, porque é um leal e valente batalhador, tanto que se ele ainda voltasse ao cangaço iria ser seu soldado.

Sobre suas andanças e seus perseguidores:
- Tenho percorrido os sertões de Pernambuco, Para�ba e Alagoas, e uma pequena parte do Ceará. Com as polícias desses estados tenho entrado em vários combates. A de Pernambuco é disciplinada e valente, e muito cuidado me tem dado. A da Paraíba, porém, é uma polícia covarde e insolente. Atualmente existe um contingente da força pernambucana de Nazaré que está praticando as maiores violências, muito se parecendo com a força paraibana.

Referindo-se a seus coiteiros, Lampião esclareceu:

- Não tenho tido propriamente protetores. A família Pereira, de Pajeú, é que tem me protegido, mais ou menos. Todavia, conto por toda parte com bons amigos, que me facilitam tudo e me consideram eficazmente quando me acho muito perseguido pelos governos.

- Se não tivesse de procurar meios para a manutenção dos meus companheiros, poderia ficar oculto indefinidamente, sem nunca ser descoberto pelas forças que me perseguem.
- De todos meus protetores, só um traiu-me miseravelmente. Foi o coronel José Pereira Lima, chefe político de Princesa. É um homem perverso, falso e desonesto, a quem durante anos servi, prestando os mais vantajosos favores de nossa profissão.

A respeito de como mantém o grupo:
- Consigo meios para manter meu grupo pedindo recursos aos ricos e tomando à força aos usuários que miseravelmente se negam de prestar-me auxílio.

Se estava rico?
- Tudo quanto tenho adquirido na minha vida de bandoleiro mal tem chegado para as vultuosas despesas do meu pessoal - aquisição de armas, convindo notar que muito tenho gasto, também, com a distribuição de esmolas aos necessitados.

A respeito do número de seus combates e de suas vítimas disse:
- Não posso dizer ao certo o número de combates em que já estive envolvido. Calculo, porém, que já tomei parte em mais de duzentos. Também não posso informar com segurança o número de vítimas que tombaram sob a pontaria adestrada e certeira de meu rifle. Entretanto, lembro-me perfeitamente que, além dos civis, já matei três oficiais de polícia, sendo um de Pernambuco e dois da Paraíba. Sargentos, cabos e soldados, é impossível guardar na memória o número dos que foram levados para o outro mundo.

Sobre as perseguições e fugas deixou claro:
- Tenho conseguido escapar à tremenda perseguição que me movem os governos, brigando como louco e correndo rápido como vento quando vejo que não posso resistir ao ataque. Além disso, sou muito vigilante, e confio sempre desconfiando, de modo que dificilmente me pegarão de corpo aberto.

- Ainda é de notar que tenho bons amigos por toda parte, e estou sempre avisado do movimento das forças.

- Tenho também excelente serviço de espionagem, dispendioso mas utilíssimo.

Seu comportamento mereceu alguns comentários bastante francos:
- Tenho cometido violências e depredações vingando-me dos que me perseguem e em represália a inimigos. Costumo, porém, respeitar as famílias, por mais humildes que sejam, e quando sucede algum do meu grupo desrespeitar uma mulher, castigo severamente.

Perguntado se deseja deixar essa vida:
- Até agora não desejei, abandonar a vida das armas, com a qual já me acostumei e sinto-me bem. Mesmo que assim não sucedesse, não poderia deixá-la, porque os inimigos não se esquecem de mim, e por isso eu não posso e nem devo deixá-los tranquilos. Poderia retirar-me para um lugar longinguo, mas julgo que seria uma covardia, e não quero nunca passar por um covarde.

Sobre a classe da sua simpatia:
- Gosto geralmente de todas as classes. Aprecio de preferência as classes conservadoras - agricultores, fazendeiros, comerciantes, etc., por serem os homens do trabalho. Tenho veneração e respeito pelos padres, porque sou católico. Sou amigo dos telegrafistas, porque alguns já me tem salvo de grandes perigos. Acato os juizes, porque são homens da lei e não atiram em ninguém.

- Só uma classe eu detesto: é a dos soldados, que são meus constantes perseguidores. Reconheço que muitas vezes eles me perseguem porque são sujeitos, e é justamente por isso que ainda poupo alguns quando os encontro fora da luta.

Perguntado sobre o cangaceiro mais valente do nordeste:
- A meu ver o cangaceiro mais valente do nordeste foi Sinhô Pereira. Depois dele, Luiz Padre. Penso que Antonio Silvino foi um covarde, porque se entregou às forças do governo em consequência de um pequeno ferimento. Já recebi ferimentos gravíssimos e nem por isso me entreguei à prisão.

- Conheci muito José Inácio de Barros. Era um homem de planos, e o maior protetor dos cangaceiros do nordeste, em cujo convívio sentia-se feliz.

Questionado sobre ferimentos em combate, contou:
- Já recebi quatro ferimentos graves. Dentre estes, um na cabeça, do qual só por um milagre escapei. Os meus companheiros também, vários têm sido feridos. Possuímos, porém, no grupo, pessoas habilitadas para tratar dos ferimentos, de modo que sempre somos convenientemente tratados. Por isso, como o senhor vê, estou forte e perfeitamente sadio, sofrendo, raramente, ligeiros ataques reumáticos.

Sobre ter numeroso grupo:
- Desejava andar sempre acompanhado de numeroso grupo. Se não o organizo conforme o meu desejo é porque me faltam recursos materiais para a compra de armamentos e para a manutenção do grupo - roupa, alimentação, etc. Estes que me acompanham é de quarenta e nove homens, todos bem armados e municiados, e muito me custa sustentá-los como sustento. O meu grupo nunca foi muito reduzido, tem variado sempre de quinze a cinquenta homens.

Sobre padre Cícero Lampião foi bem específico:
- Sempre respeitei e continuo a respeitar o estado do Ceará, porque aqui não tenho inimigos, nunca me fizeram mal, e além disso é o estado do padre Cícero. Como deve saber, tenho a maior veneração por esse santo sacerdote, porque é o protetor dos humildes e infelizes, e sobretudo porque há muitos anos protege minhas irmãs, que moram nesta cidade. Tem sido para elas um verdadeiro pai. Convém dizer que eu ainda não conhecia pessoalmente o padre Cícero, pois esta é a primeira vez que venho a Juazeiro.

Em relação ao combate aos revoltosos:
- Tive um combate com os revoltosos da coluna Prestes, entre São Miguel e Alto de Areias. Informado de que eles passavam por ali, e sendo eu um legalista, fui atacá-los, havendo forte tiroteio. Depois de grande luta, e estando com apenas dezoito companheiros, vi-me forçado a recuar, deixando diversos inimigos feridos.

A respeito de sua vinda ao Ceará:
- Vim agora ao Cariri porque desejo prestar meus serviços ao governo da nação. Tenho o intuito de incorporar-me às forças patrióticas do Juazeiro, e com elas oferecer combate aos rebeldes. Tenho observando que, geralmente, as forças legalistas não têm planos estratégicos, e daí os insucessos dos seus combates, que de nada tem valido. Creio que se aceitassem meus serviços e seguissem meus planos, muito poderíamos fazer.

Sobre o futuro Lampião mostrou-se incerto, apesar de ter planos:
- Estou me dando bem no cangaço, e não pretendo abandoná-lo. Não sei se vou passar a vida toda nele. Preciso trabalhar ainda uns três anos. Tenho de visitar alguns amigos, o que não fiz por falta de oportunidade. Depois, talvez me torne um comerciante.

Aqui termina a entrevista concedida por Lampião em Juazeiro.

Na despedida Lampião nos acompanhou até a porta. Pediu nosso cartão de visita e acrescentou:

- Espero contar com os "votos" dos senhores em todo tempo!

- Que dúvida... respondemos.

Como sabemos, Lampião, o "Rei do Cangaço", não viveu o suficiente para ver todos seus planos concretizados.
O pernambucano Virgulino Ferreira da Silva era um dos nove filhos de uma respeitável família criadora de gado. Nasceu em Vila Bela (atual Serra Talhada). Em 1915, acusou um empregado do vizinho José Saturnino de roubar bodes de sua propriedade. Começou, então, uma rivalidade entre as duas famílias. Quatro anos depois, Virgulino e dois irmãos se tornaram bandidos. Matavam o gado do vizinho e assaltavam. Os irmãos Ferreira passaram a ser perseguidos pela polícia e fugiram da fazenda. A mãe de Virgulino morreu durante a fuga e, em seguida, num tiroteio, os policiais mataram seu pai. O jovem Virgulino jurou vingança.

Existem duas versões para o seu apelido. Dizem que, ao matar uma pessoa, o cano de seu rifle, em brasa, lembrava a luz de um lampião. Outros garantem que ele iluminou um ambiente com tiros para que um companheiro achasse um cigarro perdido no escuro.

Seus atos de crueldade lhe valeram a alcunha de "Rei do Cangaço". Para matar os inimigos, enfiava longos punhais entre a clavícula e o pescoço. Seu bando seqüestrava crianças, botava fogo nas fazendas, exterminava rebanhos de gado, estuprava coletivamente, torturava, marcava o rosto de mulheres com ferro quente. Antes de fuzilar um de seus próprios homens, obrigou-o a comer um quilo de sal. Assassinou um prisioneiro na frente da mulher, que implorava perdão. Lampião arrancou olhos, cortou orelhas e línguas, sem a menor piedade. Perseguido, viu três de seus irmãos morrerem em combate e foi ferido seis vezes.

Em 1929, conheceu Maria Déa, a Maria Bonita, a linda mulher de um sapateiro chamado José Neném. Ela tinha 19 anos e se disse apaixonada pelo cangaceiro há muito tempo. Pediu para acompanhá-lo. Lampião concordou. Ela enrolou seu colchão e acenou um adeus para o incrédulo marido. Levou sete tiros e perdeu o olho direito.

Lampião andava sempre com livros de orações. Pregava na roupa diversos amuletos e até uma foto do Padre Cícero.

A música Mulher Rendeira ("Olê mulher rendeira/Olê mulher rendá/Tu me ensina a fazer renda/Que eu te ensino a namorar") é de autoria de Lampião. Seu bando entrava nas cidades entoando essa canção.

Apesar de perseguido, Lampião e seu bando foram convocados para combater a Coluna Prestes, marcha de militares rebelados. O governo se juntou ao cangaceiro em 1926, lhe forneceu fardas e fuzis automáticos.

O governo baiano ofereceu 50 contos de réis pela captura de Lampião em 1930. Era dinheiro suficiente para comprar seis carros de luxo.

Lampião morreu no dia 28 de julho de 1938, na Fazenda Angico, em Sergipe. Os trinta homens e cinco mulheres estavam começando a se levantar, quando foi vítima de uma emboscada de uma tropa de 48 policiais de Alagoas, comandada pelo tenente João Bezerra. O combate durou somente 10 minutos. Os policiais tinham a vantagem de quatro metralhadoras Hotkiss. Lampião, Maria Bonita e nove cangaceiros foram mortos e tiveram suas cabeças cortadas. Maria foi degolada viva. Os outros conseguiram escapar.

O cangaço terminou em 1940, com a morte de Corisco, o "Diabo Loiro", o último sobrevivente do grupo comandando por Lampião.
Lampião tornou-se a figura mais conhecida do fenômeno do cangaço, em parte devido as suas proezas contra a polícia e poderosos locais, a despeito de ter seguidamente estabelecido diversas alianças com esses. Tornaram-se míticas as estratégias que seu bando utilizou durante o período de duração do seu domínio no sertão.

De cabra de "Sinhô" Pereira a chefe de bando, Lampião ficou conhecido como "o rei do cangaço", título alcançado devido as suas atrocidades. Através de métodos desumanos dominou o semi-árido de seis estados nordestinos: Alagoas, Sergipe, Bahia, Paraíba, Ceará e, em uma oportunidade, esteve no Rio Grande do Norte, desafiando volantes policiais, infligindo-lhes vergonhosas derrotas. Entre as suas façanhas encontra-se o roubo da Baronesa de Água Branca, o ataque a Sousa e a tentativa de saquear Mossoró.

Batizado com o nome de Virgulino Ferreira da Silva, nasceu a sete de julho de 1897, em Vila Bela, (hoje Serra Talhada), Estado de Pernambuco, falecendo em 1938, juntamente com sua companheira Maria Bonita e os membros de seu bando, em Angicos, Sergipe, assassinado por policiais de Alagoas. O apelido de Lampião veio de uma expressão que costumava repetir, gabando-se de que, ao lutar contra seus inimigos, sua espingarda não deixava de ter clarão “tal qual um lampião”.

Seu ingresso no cangaço ocorreu quando tinha apenas 17 anos, tomando parte no bando de Sinhô Pereira. O motivo de sua entrada no banditismo é controverso: para alguns, deveu-se ao desejo de vingar o pai, assassinado por chefes políticos que desejavam as terras da família; para outros, Lampião já era membro de tropas de cangaceiros quando seu pai foi assassinado. Enquadra-se no primeiro grupo Hobsbawn (1976, p. 56), que assim descreve o processo que levou Lampião ao cangaço:



Quando ele [Lampião] tinha 17 anos, os Nogueiras expulsaram os Ferreiras da fazenda onde viviam, acusando-os falsamente de roubo. Assim começou a rixa que o levaria à marginalidade "Virgulino", recomendou alguém, "confie no divino juiz", mas ele respondeu: "O Bom Livro [A Bíblia] manda honrar pai e mãe, e se eu não defendesse nosso nome, perderia minha macheza". Por isso,





Comprou um rifle e punhal

Na vila de São Francisco;



e formou um bando com seus irmãos e 37 outros combatentes (conhecidos pelo poeta e por seus vizinhos pelos apelidos, muitas vezes dados tradicionalmente aos que iam para o cangaço) para atacar os Nogueiras, na Serra Verme­lha. Passar da rixa de sangue ao banditismo era um passo lógico (e necessário, dada a maior força dos Nogueiras). Lampião tornou-se um bandido errante, ainda mais famoso que Antônio Silvino, cuja captura em 1914 deixara uma lacuna no panteão do sertão:



Porém, não poupava a pele

De militar nem civil;

Seu carinho era o punhal

E o presente era o fuzil

Deixou ricos na esmola

Valente caiu de sola

Outro fugiu do Brasil



A vida de fora-da-lei de Lampião começou em razão de roubos de artefatos da pecuária. Sucederam agravos, perseguições a toda sua família, levando-o assim a abraçar o cangaço. Como todo cangaceiro, seu lema era vingança. No princípio começou com tiroteio, emboscada, cerco, resultando mais tarde em mortes e outros feitos.

Logo após a sua ascensão a chefe de bando, Lampião decidiu atacar a cidade de Água Branca, Estado de Alagoas, visando roubar D. Joana Siqueira Torres. Sendo bem sucedido em sua empreitada, logo granjeou notoriedade regional.

Em 1924 uniu-se ao bando de Chico Pereira, natural da cidade de Nazarezinho, Estado da Paraíba, desferindo ousado ataque à cidade de Sousa, sem resistência e nenhum estado de alerta, o município foi palco para mais um capítulo da história de terror do cangaço nordestino.

Implantando o terror por onde passou, Lampião assaltou cidades, incendiou fazendas, assassinou pessoas, desonrou moças. Hobsbawn (Op.cit, p. 57-58), descreve alguns de seus feitos terríveis:



[A história de Lampião] registra horrores: como Lampião assassinou um prisioneiro, embora sua mulher o tivesse resgatado, como ele massacrava trabalhadores, como torturou uma velha que o amaldiçoara (sem saber de quem se tratava) fazendo-a dançar com um pé de mandacaru até morrer, como matou sadicamente um de seus homens, que o ofendera, obrigando-o a comer um litro de sal, e incidentes semelhantes. Causar terror e ser impiedoso é um atributo mais importante para esse bandido do que ser amigo dos pobres.



Já em 1926, Lampião torna-se um nome lendário no Nordeste quando recebeu a patente de Capitão do Exército Brasileiro, armas e munições para combater a Coluna Prestes, concedidos pelo Padre Cícero Romão Batista. Essa patente, não sendo reconhecida pelo Governo Brasileiro, fê-lo continuar com a vida cangaceira.

A Grande Enciclopédia Larousse Cultural (1994, p. 3548) descreve assim o episódio do encontro com a Coluna Prestes;

Com Lampião vigorou a lei do extermínio, indo do estupro ao incêndio,do saque ao assassinato frio. Na época da Coluna Prestes, Lampião foi convidado a colaborar com o governo por intermédio do Padre Cícero, que lhe ofereceu a patente de capitão. Aproveitou-se do momento para armar melhor todo o seu bando”.



No ano seguinte, 1927, agindo por incentivo de Massilon Leite, resolveu atacar Mossoró, naquela época considerada uma das cidades ricas do Nordeste. Dessa vez, porém, o bando de cangaceiros foi derrotado, batendo em retirada 1.

O prefeito Rodolfo Fernandes e alguns moradores, recebendo informações que o bando cortara a fronteira com a Paraíba e estava marchando para o Rio Grande do Norte, tomaram providências, preparando homens munidos com armas e munição à espera de Lampião e seu bando. Assim, no dia 13 de junho os homens estavam esperando os cangaceiros em pontos estratégicos como as torres das igrejas, casa do prefeito, mercado, cadeia e muitos outros pontos.



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1. O episódio é descrito com riqueza de detalhes por Raul Fernandes em A Marcha de Lampião – Assalto a Mossoro (1985), fonte da qual retiramos os dados que apresentamos relativos ao rechaço sofrido pelo bando de cangaceiros na cidade potiguar.



Próximo a Mossoró, Lampião se abrigou na fazenda oiticica na companhia do bando, encontrando o Coronel Antônio Gurgel, a quem obrigou a redigir bilhete ao prefeito de Mossoró, que se indispôs a pagar a quantia de 400 contos de Réis estipulada por Lampião, para que a cidade fosse poupada de um ataque fulminante. Indignado, o cangaceiro ataca a cidade, sendo rechaçado pela população armada.

Em 1930, Lampião conheceu Maria Bonita, que abandonou o marido para acompanhar o cangaceiro. À mulher é creditada uma forma de obstáculo ao instinto assassino do novo esposo.

Mantendo-se errante, sem endereço fixo, vivendo de assaltos, saques, e não se ligando permanentemente a nenhum chefe político ou de família, o bando de lampião instaurou o clima de terror pelos sertões até o ano de 1938, quando, a 28 de julho, a carreira do “rei do cangaço” chegou ao final: surpreendido na grota de Angicos, entre Alagoas e Sergipe, pela volante de João Bezerra, da polícia de Alagoas, o cangaceiro é fuzilado na companhia de Maria Bonita e nove bandoleiros. Os policiais decapitaram os bandidos, como prova do extermínio do bando, e as cabeças ficaram expostas no Museu Nina Rodrigues, em Salvador, por mais de 30 anos.

Depois do desaparecimento de Lampião, Cristino Gomes da Silva Cleto, conhecido como "Corisco, o Diabo Louro", assumiu o controle do banditismo. Sua carreira, entretanto, foi curta, sendo morto em 5 de maio de 1940, quando foi surpreendido pelas volantes policiais, na companhia de Dadá, sua esposa, na região de Brotas de Macaúbas, Estado da Bahia.
Na madrugada de 28 de julho, as volantes policiais com quase 50 homens, seguiram do porto de Piranhas em direção ao povoado de Entremontes. O percurso silencioso pelo rio era chefiado pelos policiais, tenente João Bezerra, aspirante Francisco Ferreira de Melo e sargento Aniceto Rodrigues. O objetivo dos militares era localizar os irmãos Pedro e Durval, proprietários da fazenda Angico e coiteiros de Lampião.

Naquela época eram chamadas de coiteiros as pessoas que davam proteção a integrantes do Cangaço. Muitos fazendeiros e coronéis da região assim procediam, alguns conseguiam até mesmo a façanha de manter boas relações com cangaceiros e policiais.

A recusa de Pedro de Cândido

Dispostos a surpreender Lampião e seu bando enquanto estes dormiam, parte do grupo das volantes policiais atracou na fazenda Remanso, a poucos quilômetros do povoado, enquanto os soldados Elias e Bida remaram até Entremontes para buscar Pedro de Cândido, o coiteiro.

Acordado na madrugada, o fazendeiro se recusou acompanhar os soldados, alegando que não poderia deixar a mulher sozinha em casa, uma vez que tinha a visita de outro fazendeiro amigo, dormindo em sua casa naquela noite. A desculpa era uma estratégia para ganhar tempo e evitar o confronto com a volante policial.

Segundo Inácio Loiola, tal argumento representou alívio também para o tenente João Bezerra. Conforme pesquisou o prefeito de Piranhas, Bezerra era casado com uma das sobrinhas do fazendeiro Hercílio Brito, rico latifundiário das regiões de Canidé e Própria, que por diversas vezes havia oferecido proteção a Lampião em suas fazendas. Numa dessas estadias, Bezerra e Lampião teriam estreitado laços.

“Quando os soldados voltaram e comunicaram a recusa de Pedro de Cândido, o delegado Francisco Ferreira de Melo determinou: Volte lá e traga ele vivo ou morto. Ao retornarem novamente, trazendo o coiteiro, Bezerra ainda tentou conversar separadamente com ele, entretanto, após a volante surpreender o segundo irmão, Durval, de 17 anos, dormindo em Angico, foi impossível evitar o confronto ”, conta Loiola.

Polêmico envenenamento

Uma das teorias polêmicas sobre a morte de Lampião dão conta do possível envenenamento de pães e bebidas (conhaque) servidos pelo coiteiro Pedro de Cândido. A hipótese, descartada pela maioria dos historiadores, é uma das versões narradas no livro do sergipano Alcino Alves Costa, autor de ‘Lampião Além da Versão - Mentiras e Mistérios de Angico’, embora rejeitada por familiares do coiteiro.

O sobrinho Francisco, guia turístico na região de Piranhas, conta que o tio só entregou Lampião porque foi torturado, teve unhas arrancadas e a barriga cortada de punhal. Sobre a possibilidade de envenenamento, rebate a hipótese com outras perguntas. “Se foram envenenados, como sobrevieram os outros 40 que conseguiram fugir?”, dispara.

“A única verdade é que soldado Antônio Jacó matou Luís Pedro”, diz Inácio Loiola referindo-se ao cangaceiro que era o braço direito de Lampião. Entre verdades e mentiras, a lenda sobre o mito Virgulino Ferreira da Silva sobrevive em versões que transcendem a própria história.

Alcino Costa conta que as teorias levantadas por seu livro foram construídas com base em depoimentos de ex-volantes e ex-coiteiros. “Lampião era uma inteligência tão sublime que vive até hoje a zombar de todos nós”, afirma o escritor, para quem a morte do Rei do Cangaço permanecerá durante muito tempo como um grande mistério.

Réplica da casa onde nasceu e viveu o cangaceiro Lampião


LAMPIÃO (6)
Réplica da casa onde nasceu e viveu o cangaceiro Lampião, no Sítio Passagem das Pedras, a 42km de Serra Talhada, em Pernambuco (Foto: Antônio Vicelmo)

Serra Talhada (PE) se rende à Lampião e promove evento para resgatar a memória de seu filho ilustre

Serra Talha. Amado e odiado com igual intensidade, a imagem de Virgulino Ferreira da Silva, o “Lampião”, continua viva no imaginário popular. Sua influência nas artes — música, pintura, literatura e cinema — é expressiva. O cineasta cearense Wolney Oliveira está fazendo o filme “Lampião, o Governador do Sertão”, com depoimentos dos últimos remanescentes do cangaço. De amanhã a domingo, acontecerá em Serra Talhada (PE), o VI Encontro Nordestino de Xaxado, promovido pela Fundação Cultural Cabras de Lampião.

O evento fará alusão aos 70 anos da morte do cangaceiro. Reunirá grupos de historiadores, pesquisadores, turistas e curiosos de todo Brasil para apreciar a cultura e a história do homem do sertão, assim como avaliar a influência do cangaço na cultura popular. Também constará da programação uma mesa-redonda sobre o “Lampião: a morte e o mito”.

Os cangaceiros eram bandos armados, que atuavam no sertão nordestino. Promoviam saques a fazendas, atacavam comboios e chegavam a seqüestrar fazendeiros para obtenção de resgates. Aqueles que respeitavam e acatavam as ordens dos cangaceiros não sofriam, pelo contrário, eram muitas vezes ajudados. Esta atitude fez com que eles fossem respeitados e até mesmo admirados por parte da população da época.

Símbolo

O símbolo maior deste fenômeno foi Virgulino Lampião, que nasceu na cidade de Serra Talhada, antiga Vila Bela. A música “Lampião falou”, de Luiz Gonzaga, descrevendo a morte de Virgulino diz: “O criminoso era eu e os santinhos me mataram/ o Lampião se apagou/ outros Lampiões ficaram”. Segundo a letra da música, “o cangaço continua de gravata e jaquetão/ sem usar chapéu de couro/ de bacamarte na mão”. Gonzaga deixou a advertência de que enquanto houver fome e injustiça, a alma de Lampião permanecerá no Nordeste, abrindo espaço para a sobrevivência.

Em maio, a cidade de Serra Talhada abriu a programação comemorativa dos aniversários de vida e morte do seu filho famoso com a apresentação do Grupo de Xaxado “Cabras de Lampião”, que estenderá suas apresentações a outras cidades do Vale do Pajeú.

Está sendo lançado também a “Rota do Cangaço”, que abrangerá os municípios de Serra Talhada, Belmonte, São José do Egito, Triunfo e Santa Cruz da Baixa Verde.No VI Encontro Nordestino de Xaxado, a programação será aberta com o desfile dos grupos de xaxado e bandas marciais das Escolas Estaduais Cornélio Soares e Irnero Ignácio. Durante três dias serão promovidos debates, palestras, exibições de filmes e representações teatrais de todos os Estados do Nordeste. Entre os palestrantes, o médico cratense Magérbio Lucena, autor do livro “Lampião e o Estado Maior do Cangaço.”

O Diário do Nordeste foi até o Sítio Passagem das Pedras, a 42km de Serra Talhada para mostrar a localidade onde nasceu e viveu o principal protagonista do cangaço, um fenômeno social que varreu o Nordeste no início do século.

O acesso é feito pela estrada asfaltada que liga Serra Talhada a Floresta. No percurso, a barragem do Pajeú, riacho que serviu de caminho para Lampião nas suas andanças pelo Nordeste. Depois de rodar 40 quilômetros, o visitante enfrenta uma estrada de terra, cheia de buracos e emoções, a começar pelo nome. “Estrada Zé Saturnino”, numa homenagem ao principal inimigo de Lampião, acusado de ter mandado matar o pai de Virgulino.

Inveja, discordância política, ignorância e um suposto roubo de animal foram o estopim para que as duas famílias, que antes até filhos apadrinhados tinham, enveredassem numa guerra de vinganças que transformou o sertão do início da década de 20 em praça de guerra. (...)

Cariri recebe ex-cangaceiros


Cariri abre, novamente, uma página sobre a história do cangaço, com o retorno de ex-cangaceiros

Crato. O casal de ex-cangaceiros, Moreno e Durvina, chegou ontem à cidade de Brejo Santo, onde vai ficar dois dias com o objetivo de rever familiares, bem como receber homenagens de autoridades locais. De acordo com o vereador Miram Basílio, está marcada para hoje, às 9 horas, uma audiência pública na Câmara Municipal de Brejo Santo, com a presença dos dois ex-cangaceiros. O parlamentar justifica que eles fazem parte de um fenômeno social dos mais importantes para o Nordeste brasileiro, o cangaço. Por isso merecem o reconhecimento da cidade.

Moreno, 97 anos e Durvalina Gomes, a Durvina, 94, são os últimos remanescentes de um pequeno grupo de 16 cangaceiros e policiais, que ainda estão vivos. Estes sobreviventes foram descobertos pelo cineasta cearense, Wolnei Oliveira, que está concluindo um documentário com o depoimento dos últimos integrantes da história do cangaço.

A volta de Moreno a Brejo Santo é um reencontro com um passado que o cangaceiro tenta esquecer. Antônio Inácio da Silva, conhecido por Moreno, deixou um rastro de lutas sangrentas na terra onde passou a sua infância. Saiu de lá escorraçado, em 1939, um ano depois da morte de Lampião.

Hoje, 70 anos depois, volta como herói. Não fala sobre seus antigos desafetos. Recorda da primeira professora, Pedrosinha Viana, mas lamenta não ter apreendido a ler com ela. Recorda também de Antônio de Generosa, um antigo fogueteiro que fabricava fogos para animar as festas da cidade. Cita alguns nomes que fizeram parte de sua infância, entre os quais, o ex-prefeito Zeca Matias e alguns colegas de escola, amigos da infância.

Entre os familiares, sobrinhos e primos, Moreno procura relembrar os nomes dos sítios de antigamente, quando ele era o terror da região. Mas sua vida está mais ligada ao cangaço. O primeiro homicídio foi praticado quando ele tinha 16 anos. Daí pra frente era um tiroteio atrás do outro. “Tinha dia que eu participava de dois tiroteios”, relembra.

“Durante o tempo em que eu fui cangaceiro, eu nunca dormi em casa, foi só no mato, feito bicho bruto”. Ao recordar a vida ao lado de Lampião, Moreno diz que, na fuga do Ceará para Minas Gerais, margeando o Rio São Francisco, sua companheira, Durvina, foi picada por uma cobra. O contraveneno lhe foi enviado por um padre.

Em Minas Gerais, o cangaceiro mudou de nome. Passou a ser chamado de Antônio Souto. “Quando eu cheguei aqui, fui trabalhar de machado, cortar lenha para a Central (Estrada de Ferro Central do Brasil). Depois fui plantando roça, criando alguns porcos e fui trabalhando na lavoura. Fiz farinha durante muitos anos, vendendo na cidade”, diz ele, complementando que terminou sendo dono de cabaré, o que lhe valeu a separação temporária de Durvalina, o amor que foi nascido na Caatinga entre um tiroteio e outro.

PESQUISA

Antropóloga desconstrói mito Lampião

Crato. Virgulino Ferreira, o Lampião, não foi o “Robin Hood” do Nordeste, o herói que roubava dos ricos para dar aos pobres. O mito criado por cordelistas, alimentado por intelectuais e pela própria mídia, está sendo destruído pela escritora e antropóloga, Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros, autora do livro “A Derradeira Gesta: Lampião e Nazarenos guerreando no sertão”, lançado recentemente na Universidade Regional do Cariri.

A 2ª edição do livro é complementada com um capítulo em que a antropóloga faz uma analogia entre o cangaço e a violência dos dias atuais, definida por ela como uma versão mais forte do banditismo liderado por Lampião.

Luitgarde é autora também do livro “A Terra da Mãe de Deus”, que conta a história do Padre Cícero e as romarias de Juazeiro. A vinda da escritora ao Cariri coincide com o aniversário de 82 anos da visita de Lampião a Juazeiro do Norte, em março de 1926, a convite de Floro Bartolomeu para integrar o Batalhão Patriótico no combate à Coluna Prestes. Na oportunidade, Lampião foi entrevistado pelo médico do Crato, Octacílio Macedo.

O cangaceiro estava hospedado no sobrado de João Mendes de Oliveira e, durante a entrevista, foi várias vezes à janela, atirando moedas para o povo que se aglomerava na rua. De acordo com Luitgarde, essa atitude de Lampião pode ser considerada um “marketing”, com o objetivo de conquistar a simpatia dos romeiros seguidores do Padre Cícero.

O livro de Luitgarde, resultado de uma pesquisa de 30 anos, transforma o cangaceiro em um braço direito dos coronéis. Segundo ela, Lampião, que iniciou as lutas sem nenhum motivo social, esteve sempre ao lado dos poderosos. A pesquisadora também defende que o assassinato dele, em 1938, foi motivado por questões econômicas que envolviam a transferência das verbas de combate ao cangaço para a indústria açucareira do Nordeste.

A escritora desmistifica a idéia de que o bando formava um movimento social de origem pobre que se contrapôs ao poder dominante da época. “O cangaço nasceu de proprietários remediados, comerciantes e donos de tropas de cavalos e burros”, afirma.

Ela aponta que o próprio Virgulino Ferreira, antes de tornar-se Lampião, possuía terras e animais. “Ele era almocreve, uma espécie de mercador que percorria as estradas do Nordeste, tangendo tropas de burros, transportando mercadorias”, afirma.

“Ainda jovem, em 1916, começou a agir como cangaceiro, sendo cabra dos Porcino, uma família criminosa que agia em Alagoas”, conta, referindo-se ao grupo dos irmãos Pedro, Antônio e Manuel Porcino. Segundo a pesquisadora, Virgulino Ferreira, antes de se entregar definitivamente ao cangaço, em 1922, vivia uma dupla personalidade, um misto de comerciante e bandido. Em Pernambuco, ele era um proprietário, com sua tropa de burro, e fazia comércio com a vizinhança. Na Bahia e Sergipe, praticava crimes.

De acordo com Luitgarde, essa série de crimes em que Lampião se envolve, como invasões a cidades e troca de tiros, é o caminho que conduz à morte do pai de Lampião, José Ferreira dos Santos. “Com a morte do pai, Virgulino apelou para o código sertanejo de vingança para justificar suas ações”, diz Luitgarde, esclarecendo que foi apenas um desculpa para justificar os seus atos criminosos.

A partir de 1922, já com seu próprio bando, ele passa a se envolver com os coronéis. Ela diz que seus grandes protetores foram desembargadores, juízes, políticos e industriais.

Fotos Antigas - Lampiao












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